...
 
ANO 23 • NÚMERO 42 • DEZEMBRO DE 2019
 
 
Entrevista
...
 
...
 

Acervo pessoal da livros médicos raros do Dr. Osvandré Lech

Osvandré Lech, é Chistine Kleinert fellow e membro titular da SBCM desde 1984, tem uma longa relação de contribuições à cirurgia da mão – fundou o primeiro Serviço do Rio Grande do Sul, presidiu a Sociedade e o congresso brasileiro (naquela época era no mesmo ano) em 2001, possui muitos artigos e capítulos publicados no País e exterior. 

Na ortopedia, foi chefe da Residência Médica do IOT - Passo Fundo por 25 anos com índice de aprovação no TEOT de 95%, presidiu a SBOT em 2011 e, atualmente, preside o Conselho Mundial de Cirurgia do Ombro e Cotovelo.

Além da dedicação pela medicina, o Dr.  Osvandré tem outra grande paixão: a coleção de livros raros da área médica.  Em entrevista exclusiva ao Manus, o especialista fala sobre seu acervo pessoal de Livros Médicos Raros. Acompanhe:

 

Quando se tornou um bibliófilo? Desde quando coleciona livros médicos antigos e raros? O que o levou a colecioná-los?

Bibliófilo (homo literatus) é um indivíduo que tem amor aos livros, especialmente os raros. José Mindlin é o maior exemplo no Brasil. Ganhei uma coletânea de livros antigos de Alberto Lago durante a residência médica  e os  guardei. Anos depois ganhei um volume original do “The Shoulder – Codman”, 1934, o primeiro livro de ombro do mundo com impressão única de 300 volumes, do prof.  Wayne Kotcamp, de Louisville, EUA. Pouco depois ganhei os livros de cirurgia da mão do Prof. Lauro Barros de Abreu, ícone da especialidade no País.  A partir de então adotei este novo e prazeroso hobby – a formação de um acervo de livros médicos antigos e raros - e nunca mais deixei de pesquisar, procurar e catalogar. Esta atividade me permite identificar descrições pioneiras de testes clínicos, cirurgias inéditas, origem de conceitos médicos. Além disso, os prefácios revelam histórias heroicas e inspiradoras dos gigantes que nos antecederam. Cada livro é único e tem uma história de superação, doação e busca da verdade. Além disso, o livro-papel se tornará raro de agora em diante.

 

Quantos livros constituem o seu acervo?

Estou em processo de catalogação eletrônica com o auxílio da Lisandra Blanck, uma experiente bibliotecária. Estamos utilizando o melhor banco de dados disponível no País. Será muito simples pesquisar pelos vários itens de busca – nome do autor ou do doador, ano de publicação, língua, editora, etc.  São cerca de 2.500 livros, metade de ortopedia e a outra metade das demais áreas médicas.  Em breve tudo isto estará́ disponível na internet ou por meio de visitas guiadas no HSVP-IOT, em Passo Fundo, RS.  O José Maurício do Carmo sugeriu recentemente que a coletânea de cirurgia da mão – cerca de 300 volumes – fique linkada ao site da SBCM.  É uma ideia excelente, pois permitirá acesso online para todos os membros.

 

Como os livros são adquiridos?

Visito antiquários garimpando bons títulos e recebo doação  de colegas. A lista de cirurgiões de mão que já contribuíram é extensa: Almir Pereira (RJ), Antônio Estima (RS), Arlindo Pardini (MG), Harold Kleinert (EUA), Heitor Ulson (SP), Kleber Barboza (PE),  Lauro Barros de Abreu (SP),  Nelson Mattioli Leite (RS), Robert Neviaser (EUA), Raimundo Araújo (AL), Ronaldo Azze (SP), Sérgio Gama (SP), Thomas Huber (SC).   Impressiona a receptividade da ideia da doação, pois setenta e cinco colegas já contribuíram.  As doações são sempre bem-vindas e motivo de alegria para ambas as partes – o doador que entende que seus livros farão parte de um acervo com perfil científico, e eu que recebo, pois aumenta o valor histórico e sentimental deste patrimônio científico.  Dias atrás, por exemplo, o Sérgio Gama, de São Paulo, me presenteou com alguns livros do seu pai, o saudoso Cristóvão Gama, ex-presidente da SBCM; o momento foi muito emotivo, pois livros sempre foram um encanto para esses  três cirurgiões. 

 

Há algum episódio pitoresco na formação do Acervo?

Na China, passei três horas tomando chá e negociando para comprar um raríssimo livro, de 1340, da Dinastia Ming, antes da era Gutemberg. Na Rússia, adquiri um de 1917, mas precisei de “permissão especial” para levá-lo para fora do país. Na cidade de Rio Grande (RS), a Sra. Sônia e o filho Lavierinha vibraram ao doarem a notável coleção do professor Laviera Laurino, pois comigo seria preservada. Foi uma noite cheia de boas emoções. Eu e a Marilise, retornamos com 150 livros no carro com certa dificuldade para subir a serra pelo peso das caixas.  Da calle Doncelles, centro histórico da Cidade do México, trouxe 42 livros numa única vez... foi uma dificuldade !!!  Boas histórias não faltam na formação deste Acervo.

 

Quais são as raridades?

Tenho mais de 30 livros anteriores a 1846 (data da introdução da anestesia) e mais de 800 livros anteriores a 1959 (data da fundação da nossa SBCM). Destaque para o original “Nuovelas Exemplares” de Miguel de Cervantes com capa de intestino de carneiro de 1703. Uma coleção de seis volumes do francês Baron Dupuytren de 1834, e dois volumes do “The Hand – Its Mechanism and Vital Endowments as Evincing Design” de Charles Bell, 1837, considerado o primeiro livro de cirurgia da mão do mundo; um foi presente do Kleinert e o outro do Pardini... imagina!

Tenho todos os livros iniciais do Grupo AO (Muller, Willeneger, Weber, Gantz e muitos outros). Riquíssimo acervo dos primórdios da cirurgia do ombro (Codman, Moseley, Neviaser,  DePalma, Bateman) e da mão (Bunnell, Iselin, Moberg, Kanavel, Pernet ).  

Enquanto Londres era bombardeada durante a Segunda Guerra Mundial, um grupo de pesquisadores liderado por Seddon, dentre eles Platt, Bristow, Learmonth, Symonds,   publicou em 1943 a “War Memorandum 07 – Aids to the Investigation of Peripheral Nerve Injuries” -  classificação das lesões nervosas – neuropraxia, neurotmese, axonotmese. Esta publicação possui menos de 50 páginas, de editoração muito simples; o que importa é que a classificação se mantém sem alterações e utilizada nos cinco continentes há 75 anos ...  Este material foi também publicado na revista Brain em 1943.  As duas publicações raríssimas têm a assinatura do prof. Lauro na capa e a data de 1945, data do seu período de estudos na Inglaterra.

 

Como os livros raros têm ajudado na atividade científica?  

Colaboro com a coluna “História da Ortopedia” no Jornal da SBOT, onde toda a pesquisa é realizada no Acervo.  Preparo um livro de citações médicas, a maioria delas extraída destes livros. Incluo alguns slides sobre a história do tema que abordarei nas conferências médicas e percebo o grande interesse dos colegas de todas as idades. Pelo acúmulo de temas a ser discutido na faculdade, na residência, num congresso, a história das nossas conquistas médicas costuma ser relegada a segundo plano no nosso meio.

 

Além de colecionar, também escreve livros?
A minha contribuição como autor, co-autor, colaborador com capítulo, prefácio e posfácio, tradutor, já chega a 130.  O último livro que escrevo, ao lado do Samuel Ribak, foi sobre os 60 anos de história da SBCM. Esta atividade me dá enorme prazer e promove desafios contínuos.

   
   
...