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ANO 23 • NÚMERO 41 • SETEMBRO DE 2019
 
 
Entrevista
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A Universidade pública na formação de especialistas

O presidente da Comissão de Graduação da Faculdade de Medicina da USP e Diretor do Serviço de Clínica Geral do Hospital das Clínicas, Prof. Dr. Milton de Arruda Martins, é um dos grandes entusiastas e ativistas da educação continuada e promoção da saúde no Brasil.

Em entrevista exclusiva ao MANUS, ele falou sobre o papel das Universidades públicas na formação de especialistas e evolução da medicina. Acompanhe:

 

Como o senhor avalia o ensino da medicina no País?

Nos últimos anos houve uma grande expansão no número de cursos de medicina no Brasil. Hoje, há mais de 300 universidades e faculdades que atuam na formação do médico, muitos delas são recentes e ainda não formaram a primeira turma. Então, é muito difícil avaliar exatamente a qualidade destes cursos porque não tem havido uma avaliação sistemática por parte do MEC – Ministério da Educação.

Há, no entanto, o SAEME – Sistema de Acreditação de Escolas Médicas, órgão independente criado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) junto com a Associação Brasileira de Educação Médica (Abem), em 2015. Trata-se de um selo de Acreditação, onde as escolas se inscrevem voluntariamente e são avaliadas em rígidos requisitos definidos para comprovar que a instituição tem competência para realizar o seu papel de modo eficaz e seguro. A instituição avaliada recebe um feedback bastante detalhado e, se aprovada, ganha um selo de qualidade, que significa o reconhecimento formal da qualidade dos serviços oferecidos.

Desde a criação do Sistema, já avaliamos cerca de 60 cursos de medicina no Brasil e há mais uns 20 inscritos. Como coordenador do SAEME e a partir da avaliação destes cursos, tenho uma visão otimista sobre o ensino da medicina no País. Existe muito a ser aperfeiçoado, mas de forma geral estão oferecendo uma boa formação.  Reforço que esta é minha impressão em relação aos cursos avaliados que se inscreveram voluntariamente e que são aos mais antigos. Os cursos mais novos, principalmente aqueles que foram abertos em cidades muito pequenas, percebo uma grande dificuldade na formação de um corpo docente qualificado, eles até têm infraestrutura, mas faltam docentes adequados, além de um campo de prática.

 

Qual a importância das Universidade públicas na evolução da medicina?

O desafio da formação de médicos de qualidade é igual para Universidades públicas e privadas, mas as instituições públicas no Brasil têm assumidos alguns papeis que são centrais, como a pesquisa científica e os hospitais universitários.

Grande parte da pesquisa médica no País é feita em instituições públicas, as entidades que realizam este tipo de trabalho não sendo públicas são as Universidades confessionais, que são filantrópicas. Este é um papel importante para a formação do conhecimento, pois não existe progresso da medicina sem pesquisa.

No caso dos hospitais universitários, destaca-se o fato de que a maioria deles é público, ou seja, atende o Sistema Único de Saúde – SUS. É nestes grandes hospitais que se concentra a maior formação de especialistas devido ao grande volume de atendimento. Então os hospitais que têm programas de residência médicas nas diversas especialidades são, em sua maioria, hospitais públicos. Os que não são públicos são entidades sem fins lucrativos, como as Santas Casas.

Outro papel importante das Universidades públicas na evolução da medicina é no atendimento de alta complexidade. A maior parte dos hospitais que atendem pacientes do SUS na alta complexidade são hospitais universitários.

 

Qual o cenário das pesquisas científicas no Brasil?

No Brasil, o grande financiador das pesquisas científicas é o Governo, por meio de fundos públicos como o CNPQ – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, a CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e a FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Ter estes fundos como maiores financiadores da pesquisa é um fator de bastante preocupação atualmente, uma vez que houve a redução de recursos para estas instituições por parte do Governo.

Mas, nos últimos anos, o Brasil avançou muito na área de pesquisa, com centros de excelência e produção de materiais de alta qualidade. Já demos passos importantes, mas o País ainda tem muito o que avançar, tanto na produção quanto na formação de pesquisadores, que acontece nos programas de pós-graduação de qualidade, além, é claro, no aumento do financiamento das pesquisas.

 

Na saúde pública há poucos profissionais de especialidades, como cirurgiões da mão. Para o senhor, qual o caminho para a valorização das especialidades médicas?

O caminho envolve tornar a saúde questão prioritária, com financiamento adequado e planejamento estratégico. É preciso esclarecer quais são as prioridades de assistência e injetar recursos nos hospitais. Há estudos no Brasil que, infelizmente, não são levados em consideração, que mostram quais são as necessidades de especialistas, determinados tipos de exames e tratamentos, além do tamanho das filas. Com estes estudos, seria possível definir qual o número de especialistas de distintas áreas necessários a cada região.

 

Qual sua opinião sobre o projeto Future-se, do MEC? Que permitirá que hospitais universitários atendam pacientes com planos de saúde particulares. O senhor vê a medida como uma alternativa para arrecadação de recursos?

No Hospital das Clínicas, onde eu trabalho, nós já temos esta prática há muito tempo, em que uma parte do atendimento é destinado aos pacientes com planos de saúde e particulares. Por isso somos favoráveis a esta medida. No entanto, é importante destacar alguns fatores, o Governo não pode diminuir os recursos por conta deste atendimento e deve ficar claro aos hospitais que este é um recurso adicional que pode ajudar a instituição, mas tem que haver um limite para este atendimento, tem que ser apenas uma porcentagem do volume do hospital.

Também deve estar claro que as pessoas que não possuem acesso ao plano de saúde ou condições de pagar uma consulta particular devem ter suas necessidades de saúde atendidas pelo sistema, ou seja, esta prática não pode aumentar as filas do SUS. A intenção é justamente o oposto, a prática deve ajudar a diminuir as filas pois o dinheiro gerado pode ser utilizado para aquisição de equipamentos, medicamentos, reformas de aparelhos, etc.

   
   
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